by Raquel Dominguez

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Porque temos tanta dificuldade em deitar coisas fora?

Há pouco tempo estive a arrumar a arrecadação cá de casa.

De repente invadiu-me um sentimento de querer deitar uma série de coisas fora. E antes que esse sentimento se fosse embora tão depressa quanto surgiu, aproveitei e fui logo direitinha à arrecadação com sacos de plástico na mão!

Caramba, é inacreditável as vezes que eu já arrumei esta arrecadação, mas mesmo assim ela parece estar sempre a abarrotar de coisas! E algumas delas ainda continuam lá, ano após ano, não porque eu precise delas, mas simplesmente porque não as consigo deitar fora!

O apego e o sentimento de falta de abundância

Foi aí que eu comecei a pensar no porquê de ser tão difícil para nós libertarmo-nos das coisas.

Claro que, em última análise, vem tudo de um sentimento de apego. Não necessariamente do objeto em si, mas daquilo que ele representa para nós.

Seja porque já nos faltou e não queremos que nos falte mais. Porque estamos emocionalmente ligados à pessoa que nos ofereceu, à razão porque o comprámos ou às memórias que ele nos traz. Ou até mesmo porque nos custou dinheiro e achamos que é um desperdício deitar fora (mesmo quando sabemos que nunca mais o vamos utilizar).

E depois, a juntar a isto tudo, ainda há o sentimento de escassez – por oposição ao sentimento de abundância – que também nos leva a guardar coisas, simplesmente porque um dia nos pode vir a fazer falta.

O pior é que na maioria das vezes nem sequer vem a fazer falta. E quando faz, acabamos quase sempre por comprar uma outra coisa igual, porque já nem nos lembrávamos que tínhamos essa guardada.

Não é ridículo?

Deitar fora não significa que foi tudo em vão

Durante as minhas limpezas à arrecadação ainda descobri outro tipo de apego.

Isto porque tinha para lá imensas pastas com os meus apontamentos da licenciatura que fiz. Pastas essas que já tinham estado no escritório cá de casa, até ao dia em que decidi levá-las para a arrecadação.

Claro que ao fazer isto eu já sabia, lá no fundo do meu ser, que era porque eu nunca mais ia tocar nelas. Afinal de contas, é para isso mesmo que servem as arrecadações. Para depositarmos nelas tudo aquilo que nós já sabemos que não vamos precisar mais, mas que não somos capazes de deitar fora.

E foi assim que chegou o momento do confronto:

Então Raquel, vais finalmente deitar todos os teus apontamentos fora ou vais continuar a guardá-los, simplesmente porque estás agarrada à ideia de todo o trabalho que te deu fazer essa licenciatura?

Sim, porque se formos a ver bem, mais depressa vou ao Google pesquisar o que quer que seja sobre Teoria do Design, História de Arte ou qualquer outra coisa, do que aos meus apontamentos da faculdade! Para além disso, hoje em dia eu já nem sequer utilizo a informação que consta naquelas pastas.  

No entanto, apertava-me o coração assim que eu pensava em deitar tudo fora.

E foi aí que eu me apercebi…

Apercebi-me do apego que tinha não às coisas em si, mas à ideia de todo o esforço que me deu escrever aqueles apontamentos todos há uns anos atrás! 

É tramado, não é?

Deitar fora significa que é altura de libertar

E como se não bastasse toda esta situação já estar a ser suficientemente penosa para mim, ainda tive que me debater com outra grande questão. Mas desta vez era com os souvenirs que tinha trazido de todas as minhas viagens passadas.

Eles já tinham estado expostos em casa, na altura em que iam de encontro à decoração que eu tinha antes. Mas os meus gostos vão mudando (para além de que uma designer de interiores nunca tem a casa sempre igual!) e com o tempo lá foram, também, os meus souvenirs para a arrecadação…

E depois, sabes a melhor?

Não sei se acontece o mesmo contigo. Mas cá em casa, quando se está com dificuldade em deitar alguma coisa fora (tendo-se, contudo, a certeza de que já não se quer mais isso), sabes o que se faz?

Dá-se a algum familiar, claro! Assim a perda não é tão sentida como “perda”.

Sinceramente eu começo a achar que não deveriam existir arrecadações. Elas só servem mesmo para nós acumularmos coisas, não nos ajudando nada com a nossa lição de desapego. É simplesmente incrível a quantidade de coisas que nós acumulamos!

E depois ainda nos queixamos de que não conseguimos libertar-nos do passado ou de que a nossa vida não anda para a frente…

Uma história

Ainda sobre este tema, quero partilhar contigo uma pequena história que me deixou a pensar na importância que nós damos às coisas.

Consta-se que no século passado um turista americano foi à cidade do Cairo, no Egipto, com o objetivo de visitar um famoso sábio. O turista ficou surpreso ao ver que o sábio morava num quartinho muito simples e cheio de livros. As únicas peças de mobília eram uma cama, uma mesa, e um banco.

- Onde estão os seus móveis? – perguntou o turista.

E o sábio, ao olhar depressa ao seu redor, perguntou também:

- E onde estão os seus…?

- Os meus?! – surpreende-se o turista. - Mas eu estou aqui só de passagem!

- Eu também… – concluiu o sábio.

 

Ah! E se estás a perguntar o que eu fiz às coisas, bom, os apontamentos lá acabaram por ir todos fora. Quanto aos souvenirs, aqueles que eu já não quero, mas que considero que têm algum valor, estão à venda no OLX.