A História de Morihei
Conta a história que na China antiga vivia um homem que dedicara toda a sua vida a procurar sabedoria através das artes marciais.
Para ele, as artes marciais representavam uma forma de crescer na arte do autocontrolo. A sua dedicação e perícia espalhavam a sua reputação por toda a região, o que fazia com que estivesse sempre rodeado de discípulos.
O mais novo de todos eles chamava-se Morihei. Era um menino de baixa estatura e bom coração que já treinava há muitos anos, mas a quem o mestre recusava dar o cinturão que lhe certificava a aprendizagem.
– Quando demonstrares que já aprendeste a estar centrado no meio das dificuldades, – disse ele – o cinturão será teu.
Morihei queixava-se em silêncio, mas ele sabia as razões do ancião. Já há algum tempo que, devido à sua pequena estatura, os miúdos da vila gozavam com ele quando o viam a descer a rua. E embora repetisse várias vezes para si que não precisava de perder a calma, não passava uma semana sem que acabasse por andar à luta.
Quando alguém gozava com ele, ele reagia e esquecia tudo, apesar de saber que, ao fazê-lo, atrasava o seu tão desejado cinturão.
Um dia ele decidiu ir ter com o seu mestre e contou-lhe, entre lágrimas, o quanto ele se esforçava por manter a calma, mas que no final acabava sempre por perder o controlo. Enquanto o mestre o ouvia em silêncio, Morihei decidiu perguntar-lhe algo que nunca antes ousara perguntar:
– Mestre, como é que você faz para nunca perder a calma?
– E quem te disse a ti que eu nunca a perco? – respondeu o mestre, para grande surpresa de Morihei.
– Você? – gaguejou.
– E várias vezes por dia. – acrescentou o ancião.
Morihei não podia acreditar no que estava a ouvir. Se o seu mestre, que dedicara toda a sua vida a praticar o autodomínio, perdia a calma, então que esperanças podia ter ele? Mas o ancião, ao adivinhar a sua frustração, disse-lhe:
– Morihei, todos estes anos de disciplina não fizeram com que eu não saísse do meu centro, mas permitiram-me, sim, que eu voltasse cada vez mais rápido a ele. Antes, – continuou ele – uma ofensa poderia viver meses e até anos dentro de mim. Hoje essa mesma ofensa só poderá desviar-me do meu caminho por alguns segundos. A pergunta – acrescentou – não é: “Como faço para não perder a calma?” Mas sim: “Como faço para recuperá-la cada vez mais rápido?”
– Nunca tinha visto as coisas assim… – reconheceu Morihei.
– Agora, para poderes voltar ao teu centro cada vez mais rápido, precisarás de te apoderar das tuas pausas. – disse o mestre – Quando sentires vontade de reagir, faz uma pausa. Encontra qualquer desculpa para parar e respirar, permitindo que as tuas emoções mudem e as tuas ideias sejam organizadas de acordo com as tuas prioridades.
– Percebo… – disse Morihei - mas é nesses momentos que mais me falta a força para me controlar.
– A força para escolher a pausa em vez da reação – continuou o mestre – vem do coração. Mas o teu autocontrolo irá enfraquecer ou aumentar, dependendo de quantas vezes por dia conseguires disfrutar das satisfações que terás sempre que te mantiveres no teu caminho.
Morihei levou muito a sério os ensinamentos do seu mestre e não só conseguiu parar de lutar na rua, como também se tornou um exemplo ao evitar discussões e impedir, inclusivamente, que outros lutassem.
Numa tarde, o mestre chamou-o e disse-lhe:
– Morihei, há mais de um ano que tu não me perguntas sobre o teu cinturão. Por acaso perdeste o interesse nas artes marciais?
– Não, mestre. As artes marciais tornaram-se a minha vida, mas não procuro mais cinturões. Agora procuro ser o que o cinturão representa.
O mestre sorriu e disse:
– Agora que não precisas mais deles, estás preparado para receber todos os cinturões.
Nota 1: O nome completo deste discípulo é Morihei Ueshiba, o criador do Aikido ou da Arte da Paz como ele o chamava.
Nota 2: Esta história foi retirada e traduzida livremente do livro Cómo Hacer que las Cosas Pasen, de Guillermo Echevarría
O que aprendi com esta história?
Por vezes achamos que uma pessoa “zen” é aquela que nunca se chateia, raramente sente raiva, frustrações, medo e todas as emoções que são vistas como negativas. Tal como um monge budista, ela está em paz consigo e com o mundo a toda a hora. No entanto, é fácil esquecermo-nos que um monge budista é alguém que vive isolado da realidade, na paz do seu mosteiro, juntamente com outros monges.
Uma pessoa como tu e eu, não.
Sentir emoções é normal, quaisquer que sejam elas. Faz parte do ser humano. Faz parte da vida. Ser dominado por elas é que não. Reprimi-las, fingir que elas não estão lá ou expressá-las descontroladamente, também não. Até porque uma pessoa “zen” não é alguém que não sente certas emoções. É, sim, alguém que as sabe sentir.
Aquilo que esta história maravilhosamente me ensinou é que, ao contrário daquilo que pensamos, estar em paz não significa que deixamos de sentir a vida como ela é. Estar em paz significa que passamos a lidar com ela de uma forma diferente. Pois afinal de contas, a pergunta não é “Como faço para não perder a calma?”, mas sim “Como faço para recuperá-la cada vez mais rápido?”.