by Raquel Dominguez

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Será Sorte ou Azar?

Era uma vez, numa aldeia pobre da antiga China, um menino que se encontrava sentado à porta da sua casa. Ele sentia-se triste porque desejava muito ter um cavalo, mas não tinha dinheiro para comprar um.

Nesse mesmo dia passou uma cavalaria na rua onde o menino morava, que levava um potro incapaz de acompanhar o grupo, atrasando por isso o passo de todos. O dono da cavalaria, sabendo do desejo do menino e vendo a sua tristeza, perguntou se ele queria o cavalinho.

Extasiado, o menino aceitou o presente.

Um vizinho, ao saber do ocorrido, comentou com o pai do menino:

– O seu filho teve muita sorte!

– Porquê? – perguntou o pai.

– Ora, ele queria tanto um cavalo, de repente passa uma cavalaria e ele acaba por ganhar um potrinho. Não é sorte? – perguntou o vizinho.

– Sorte? Azar? Quem sabe? Só o tempo o dirá. – respondeu o pai.

O menino cuidou do animal com muito carinho e zelo, até que ele se transformou num cavalo. Mas um dia, o cavalo fugiu. O mesmo vizinho virou-se novamente para o pai e disse:

– Que azar que o seu filho teve! Ele ganha um potro, cuida dele até à fase adulta e depois o animal foge!

– Sorte? Azar? Quem sabe? Só o tempo o dirá. – disse o pai.

O tempo passou e um dia o cavalo apareceu de novo, trazendo com ele uma manada de cavalos selvagens. O menino, agora um rapaz, conseguiu cercá-los a todos e ficou com eles. Novamente o vizinho foi ter com o pai e disse:

– Que sortudo que o seu filho é! Ele ganha um potro, cria-o, ele foge e depois volta com mais cavalos!

– Sorte? Azar? Quem sabe? Só o tempo o dirá. – disse mais uma vez o pai.

Passado um tempo, estava o rapaz a treinar um dos cavalos, quando cai e parte uma perna. O vizinho, ao saber do ocorrido, comentou com o pai:

– Que azarado que o seu filho é! O cavalo fugiu, voltou com uma manada selvagem e ele depois parte uma perna ao treinar um dos animais!

– Sorte? Azar? Quem sabe? Só o tempo o dirá. – disse o pai.

Dias depois, a China entrou em guerra e todos os homens e jovens rapazes foram convocados para participar nela. No entanto, por ter a perna partida, o rapaz ficou dispensado. O vizinho veio logo a correr falar com o pai, dizendo:

– Que sorte que o seu filho teve!

– Sorte? Azar? Quem sabe? Só o tempo o dirá.

O que aprendi com esta história?

Às vezes acontecem-nos coisas na vida que são difíceis de ultrapassar. A nossa necessidade de que a vida nos corra como imaginamos é muito grande. Dizem os mais sábios que essa necessidade vem do ego. Porquê?

Muito simplesmente, porque não nos queremos magoar.

Não há mal nenhum nisso. É próprio do ser humano fazer tudo o que puder para evitar sentir dor. Tal como é próprio da sua natureza criar expectativas de como quer que as coisas aconteçam. Só que as coisas nem sempre acontecem da forma como imaginamos. E é precisamente a isso aquilo a que nós chamamos de azar.

Mas será mesmo azar? Ou será apenas a forma como nós escolhemos olhar para as coisas?

Do mesmo modo que nos acontecem certas situações desagradáveis que não estavam nos nossos planos, outras há que parecem que caíram do céu. É uma sorte! No entanto, aquilo que no início nos parecia bom pode torna-se, por vezes, um autêntico pesadelo. Que azar!

Então, é sorte ou azar?

É o que o nosso ego lhe quiser chamar. Quando é prazeroso, é sorte. Quando é doloroso, é azar. Mas o que esta história me ensinou é que os acontecimentos dolorosos nem sempre se revelam ser um azar, nem os prazerosos uma sorte. Na verdade, eles são apenas acontecimentos. A qualidade que eles adquirem é atribuída por nós.

Não é sorte, nem azar.