by Raquel Dominguez

View Original

Capítulo X - Varanasi

Dia 23 de Agosto de 2012 || 8h55 – Varanasi (cidade sagrada)

Acabei de chegar ao hotel de Varanasi. Acho que este é um dos melhores onde eu já fiquei (pelo menos é o que parece à primeira vista).

Ontem, quando ainda estava no hotel de Agra a fazer tempo para apanhar o comboio, o Dimple pediu ao dono do hotel (que estava na recepção) para me dizer que vinha aí chuva da grossa e que por isso era melhor irmos andando. Eram umas 15h e tal e eu só tinha comboio às 20h40. A estação ficava a 1h30 de Agra. Eu só pensava no que é que eu ia fazer estando tanto tempo na estação. E como é que seria a estação?! E como era longe de Agra provavelmente nem sequer ia encontrar lá turistas. Mas pronto, já não queria saber de mais nada e fui. No caminho o Dimple ainda perguntou se estava tudo bem comigo, e no fim lá tentou explicar-me no seu mau inglês que ia pedir a um dos rapazes que trabalha na estação para “tratar” de mim, ou seja, levar-me para o “waiting room” e depois até ao comboio e lugar correcto. Disse-me que só no final é que lhe pagava 100 rupias. Eu fiquei agradecida por isso, porque de facto a estação, apesar de ser pequena, é confusa. Ainda por cima está tudo escrito na língua deles.

Quando cheguei à sala de espera dos estrangeiros fiquei super contente quando vi uma rapariga lá sentada. E quase que chorei quando ela me disse que era brasileira. Eu estava mesmo muito sensível e só precisava de estar com alguém. E ela era uma querida, mais o namorado dela. Ficámos a falar o tempo todo até o comboio chegar. Ela vai noutro comboio, mas também é para Varanasi. Agora só me resta a esperança de voltar a vê-los nas ruas de Varanasi.

Eles contaram-me que estão a viajar há quase 45 dias e que a Índia é o último país que estão a visitar. Ficam só 8 dias e depois voltam para a Tailândia (onde já estiveram e que dizem que é fantástico) e a seguir vão para casa. Disseram-me que eu era muito corajosa por estar a viajar sozinha pela Índia (eu diria parva e louca!), porque de todos os países que eles visitaram (na Europa e Ásia) este está a ser o pior. E também não estão a gostar. Nem das pessoas. Dizem que estiveram noutros países pobres da Ásia e que as coisas não são nada assim. Nem as pessoas. Disseram-me também que se eu conseguisse sobreviver aqui sozinha então conseguiria ir a qualquer lado. Gostei mesmo muito deles e espero voltar a vê-los. Na Índia e fora dela.

Entretanto iam chegando mais turistas. Todos tínhamos comboio para Varanasi, mas ninguém ia no mesmo. Até que chegou um grupo de 3 espanholas que felizmente ia no mesmo comboio e classe que eu. E os lugares eram juntos! Que sorte a minha! O tempo acabou por passar depressa e bem na estação de comboios (o que foi muito bom para mim), a falar sobretudo com os brasileiros, enquanto controlava os ratos que circulavam pela sala. Alguns eram pequenos, e esses andavam por dentro dos tubos das cadeiras, mas também havia uma ratazana. E nos trilhos do comboio então nem se fala! Estavam empestados de ratos!

O comboio chegou – 20 minutos atrasado – e eu lá fui com as espanholas para as camas da 2ª classe. De um lado do corredor há quatro camas (um beliche de cada lado) e do outro só há duas camas, uma por cima da outra, encostadas à parede. E depois há cortinas que fecham cada um desses compartimentos, deixando um corredor com “paredes” de cortinas. O corredor é mesmo muito estreito. Não é para pessoas gordas e para malas muito grandes. O mais prático é de facto a mochila.

Ficámos um pouco a falar e depois tentámos dormir. Eu consegui dormir um pouco porque estava mesmo cansada, mas já me estava a doer o corpo e a começar a ter dor de cabeça. Como era suposto o comboio chegar por volta das 4h40 da manhã, por volta dessa hora preparámo-nos todas para depois sair. No entanto, o comboio só chegou à nossa estação de destino mais de 2h depois. Pelo menos chegámos de dia, mas foi chato termos estado a pé tão cedo, quando poderíamos ter descansado um pouco mais.

Chegadas à estação, elas tinham um motorista à sua espera (como quase todos os turistas), mas eu não… E lá arranjei um táxi por 500 rupias…

Sair da zona da estação foi difícil. Os carros estavam completamente parados e havia imensos camiões. À volta, só lama…

No caminho para o hotel vi barracas. Já tinha visto também em Jaipur, mas aqui parece que as coisas são ainda piores – mais pobre e mais sujo.

Entretanto já fui tomar o pequeno-almoço e falar com um espanhol que estava na piscina. É professor de ioga e já é a terceira vez que vem à Índia. A Varanasi é a primeira vez e diz que está a ser muito difícil, porque Varanasi é pior que Deli. Diz que acha que esta vai ser a sua última viagem à Índia…

Estivemos a falar um pouco sobre isso e de como eu me estava a sentir, até que ele me disse uma coisa muito acertada e que me deixou a pensar durante algum tempo. Ele disse: “estás a lutar contra ti mesma e não o deves fazer. Se não gostas da Índia não há problema. Não tens que gostar, e não tens que lutar contra esse sentimento”…

Dia 24-08-2012 || 9h00 – Varanasi

Ontem fiquei o dia todo no hotel. Como precisava de descansar e o quarto agrada-me (apesar da quantidade de baratas pequenas que tem…). Para além disso, ontem não queria ver nada. Ontem não queria “estar” na Índia… Fui só almoçar à rua com o espanhol que conheci ontem e de resto passei a tarde no quarto a dormir.

Fomos almoçar ao McDonald’s que há aqui perto. Queria ver como era aqui. Bom, até o Mac é diferente. Pedi um menu chicken. Já salivava ao pensar na primeira mordidela que ia dar naquele frango crocante. Mas não. Para além do frango não ser panado, tem ainda um sabor bem indiano e picante! A coca-cola e as batatas fritas eram das pequenas, não sei porquê.

Voltámos para o hotel e só nos encontrámos outra vez ao final da tarde para irmos jantar. O Haceri ainda me deixou usar o seu portátil para enviar um email à minha mãe, uma vez que neste hotel, pela primeira vez, não há internet.

Depois fomos comer a um bar que há aqui ao lado do hotel, muito agradável e nada indiano, e onde parece que é frequentado por indianos mais endinheirados (alguns estavam a fumar xixa, dada pelo bar). Queria comer qualquer coisa que não fosse indiana, mas sem ser a omelete ou uma pizza é difícil.

Hoje vou com ele aos gahts e andar de barco. Vamos lá ver…

17h38 – Varanasi

Já voltámos para o hotel. Ele estava muito cansado. Mas a verdade é que Varanasi também não tem muito para ver.

De manhã andámos de barco (só meia hora), e depois fomos pelas ruas estreitas até ao gaht maior onde se queimam os corpos.

Quando estávamos quase a lá chegar, passaram por nós uns homens que iam a cantar enquanto transportavam um corpo. Os corpos são enrolados num pano branco e depois num outro colorido. Parece que quanto mais velhas são as pessoas mais dourado tem esse pano. O das mulheres é mais para o vermelho. Depois prendem esses panos com umas faixas na zona dos pés e da cabeça (não sei se em mais algum sítio). Quando chegam ao local da cremação os corpos são primeiro mergulhados no rio (para os purificar). Os homens santos, as grávidas e as crianças não são cremados. São logo atirados para o rio porque já estão purificados.

Depois preparam as madeiras (aquilo que a família conseguir pagar). Põem o corpo em cima da fogueira (ainda por acender), só com o pano branco a cobri-lo, e depois põem mais alguns troncos por cima. Incendeiam-no e deixam-no a queimar até se acabar a madeira. Houve um corpo que, acidentalmente, se destapou na zona da cara e do peito enquanto ardia. Os homens ainda o tentaram cobrir, mas acabou por ficar com a cara a descoberto.

Eu até ficaria a ver mais tempo este ritual, mas o Haceri queria ir almoçar. Vimos ainda umas lojas para eu comprar umas calças e viemos embora.

(PS: A família não pode chorar a morte da pessoa porque senão ela não “sobe” para o Nirvana.)

Afinal Varanasi não me pareceu assim tão mau. Não a achei mais suja que as outras cidades que vi (antes pelo contrário; é que também não há muito espaço para acumular lixo), nem com mais gente, nem com mais e piores “perseguidores”. E creio que também não me pareceu tão mal porque aqui está muito calor e por isso as ruas estão secas.

Não sei se também não me pareceu tão mal porque criei uma expectativa muito má; porque já me habituei a isto e já nada me “choca”; ou porque já estou quase a ir para casa e já não quero saber de mais nada…