by Raquel Dominguez

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Quando ser autêntico dói

John Elder Robison, o autor do livro “Olha-me nos olhos”, diagnosticado aos 40 anos com síndrome de Asperger (uma forma de autismo), não se encaixava.

Apesar de ter uma capacidade técnica excepcional, o que lhe levou a ser, durante uma fase da sua vida, o criador das famosas guitarras dos Kiss que cuspiam fumo e fogo, no que dizia respeito a lidar com pessoas John sempre fora considerado uma “nódoa”.

Mas ele tentou.

Ele tentou encaixar-se. E até se ensinou a agir de maneira “normal“.

No entanto, quanto mais ele tentava ser o que não era e fazer aquilo para o qual não tinha nascido para fazer, mais infeliz ele se tornava.

Até que... fartou-se!

«Estava farto de todas essas críticas. Estava farto da vida. Literalmente. Adoeci com asma e os ataques levavam-me às urgências com intervalos de poucos meses. Odiava ter de me levantar para enfrentar mais um dia no emprego. Sabia o que precisava de fazer. Precisava de deixar de me forçar a encaixar em algo onde nunca poderia integrar-me. Uma grande empresa. Um grupo. Uma equipa.»

O que John ainda não sabia, mas acabou por descobrir mais tarde quando deixou de lutar contra si mesmo para tentar se encaixar num mundo que não era o seu, é que há um lugar para cada um de nós.

«Encontrara um nicho de mercado onde muitas das minhas características de Asperger na realidade me beneficiavam.»

E foi assim que John abriu o seu próprio negócio e se tornou um mecânico de sucesso.

Dave Grohl, o famoso baterista dos Nirvana, vocalista e guitarrista dos Foo Fighters, não se encaixava.

«Por muito que quisesse pertencer e ser aceite no meu círculo de amigos, no meu íntimo sentia-me diferente. Só anos mais tarde encontraria a coragem para assumir a minha individualidade, mas naquela altura era muito fechado e escondia o meu amor pela cultura alternativa com medo de ser ostracizado pelos miúdos mais fixes. Alinhava, creio, mas sabia que não fora talhado para o Key Club ou para a equipa de futebol. Era uma espécie de inadaptado que desejava ser compreendido, esperando que alguém aceitasse o meu verdadeiro eu.»

No entanto, por volta dos 13 anos, Dave descobriu que, afinal, existe um lugar para cada um de nós.

Ele tinha encontrado a sua tribo.

«Poucas horas antes, havia descoberto uma verdade que mal podia esperar para viver. Identificava-me agora com algo que nada tinha que ver com o que conhecia na minha vida em casa. Aquelas capas de discos e as gravações cheias de distorção que tinham saído das colunas de Tracey abriram uma janela para a minha alma, e eu tinha finalmente experimentado uma ligação que me fazia sentir compreendido. Como sempre me senti ligeiramente fora da norma, nunca me pudera virar para ninguém em busca de compreensão e garantias entre os meus amigos. Era um puto proveniente de um lar desfeito, um menino da mamã e um aluno normal. Uma bola de energia extraviada à procura do seu nicho, da sua tribo.»

Resultado?

«O rapazinho que tinha medo de ser ostracizado por parecer demasiado diferente de todos os outros miúdos fixes ficou para trás. Armado com um disco dos Germs, uma T-shirt dos Killing Joke e o single «Flammable Solid» que tinha comprado no concerto dos Naked Raygun, estava agora determinado a começar a minha nova vida como punk rocker. Livrara-me finalmente da camada exterior de inseguranças de um adolescente frágil e comecei a produzir uma nova pele, aquela que se iria transformar no meu verdadeiro eu, e mal podia esperar para mostrá-la ao mundo.»

E assim o tem feito, para grande regozijo do mundo da música.

Desmond T. Doss, o protagonista do filme “O Herói de Hacksaw Ridge”, que nos conta uma história verídica passada na Segunda Guerra Mundial, não se encaixava.

Desmond alistou-se no Exército dos Estados Unidos porque queria salvar vidas.

Por causa disso, foi gozado, maltratado e acusado injustamente (numa tentativa falhada de ser afastado do exército) pelos seus colegas e superiores, porque se recusava a pegar em armas de fogo.

Desmond era, aparentemente, o homem errado no sítio errado.

Afinal de contas, «quem é que se sente seguro em ir para a guerra com um colega que não pega numa arma?»

Mas Desmond foi. Não matou ninguém, mas salvou 75 vidas, inclusive muitos dos seus colegas que não queriam ir para a guerra com ele.

Por se ter mantido fiel a si mesmo e não se ter encaixado, Desmond acabou por ser o primeiro objetor de consciência a receber a Medalha de Honra, para além de ver a sua história contada num documentário e num filme de sucesso.

Porque te conto estas histórias?

Porque talvez tu, tal como eu, também tens tentado encaixar-te onde não é para seres encaixada.

Talvez tu, tal como eu, também achas que, por não te encaixares, tens um problema que precisa de ser resolvido ou mudar o que talvez não seja para ser mudado.

Tenho uma amiga cujo caráter forte é mal visto e recebido nalgumas situações.

Compreendo.

No sítio errado, momento errado ou com as pessoas erradas, certas características da nossa personalidade podem trazer-nos muitos problemas.

Afinal de contas, vivemos em sociedade. Não dá para simplesmente fazermos o que nos apetece sem que haja consequências disso.

No entanto, um dia percebi que não é por acaso que ela tem esse carácter forte, uma vez que ela precisa dele para realizar o propósito que ela se propôs realizar nesta vida.

No lugar certo, ela pode ser quem ela é.

Tal como acontece com cada um de nós.

Don Clifton, o autor do livro “Now Discover Your Strengths”, descobriu muito cedo, enquanto estudava psicologia, que a humanidade tem uma fixação muito forte em corrigir o que “está mal” nas pessoas, em vez de focar-se em identificar os seus pontos fortes e construir a sua vida à volta deles.

Don percebeu que o caminho mais curto para o sucesso e para a verdadeira realização é concentrarmo-nos naquilo que já são as nossas forças, em vez de perdermos tempo e esforço em melhorar características que não nos são inatas.

Até porque, segundo os seus estudos, «as fraquezas de uma pessoa dificilmente melhoram, mas os seus pontos fortes desenvolvem-se infinitamente.»

Por isso, se tal como acontece com todos os protagonistas destas histórias, também tu sentes que alguma coisa de errado se passa contigo simplesmente porque não te identificas com o mundo que está à tua volta, talvez seja apenas porque ainda não estás…

No sítio certo, com as pessoas certas, a fazer o que é o certo para ti.