by Raquel Dominguez

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“Só as pessoas que choram são capazes de ser felizes”

Num mundo onde chorar parece ser uma fraqueza, hoje quero partilhar contigo um excerto de um dos livros do psicólogo Eduardo Sá, que nos mostra como é importante sentirmo-nos tristes para que a nossa dor se possa curar.

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Só as pessoas que choram são capazes de ser felizes

Eu gosto das pessoas que choram. Sobretudo daquelas que choram por um amor. Porque chorar é um sinal de força, de seriedade e de convicção. Porque é a prova de que não se desmancham com a sua dor. Nem a vivem como uma humilhação que não mereciam. Acontece que eu acho que só as pessoas que choram são capazes de ser felizes. Porque não enovelam a dor. Porque não a embotam. Porque sabem, afinal, que quem manifesta o sofrimento o desconfunde de tudo o mais que faz parte de si.

A mim parece-me que vivemos numa espécie de bolha de euforia como se estarmos tristes e sermos deprimidos fosse quase a mesma coisa. E não é mesmo nada assim. Só as pessoas que são capazes de estar tristes não se deprimem. A tristeza é o melhor antidepressivo do mundo. Mas parece-me que se confunde tanto euforia (que é um sentimento solitário de triunfo sobre a dor) com alegria (que é uma experiência de encontro que a confronta e a transforma) que, vendo bem, talvez vivamos num mundo muito amigo da mania onde a tristeza parece ser sinónimo de fraqueza e de depressão, e onde os momentos de tristeza não encontram nem espaço, nem relações, nem “autorização” para serem partilháveis.

O contrário da tristeza não é felicidade, é bom que se lembre. Mas a vivacidade. Essa ideia de que estamos felizes quando não estamos tristes não é verdade. O paraíso não é um sítio sem dor. É um lugar onde a dor nunca nos leva senão à sabedoria.

A tristeza é uma dor que se impõe. Unicamente porque precisa de ser percebida e de se pensar. A dor (a dor amorosa, também) é proporcional às circunstâncias que a geram? Muitas vezes, sim. Menos quando ela resulta daquilo tudo que acumulámos de tanto fugirmos da dor. Por mais que um dos mais inquietantes efeitos colaterais da tristeza seja levar a sentirmo-nos sós. Demasiado sós, se é que isso existe. Acrescido do facto de, olhando para o lado, toda a gente parecer estar assim, também. Como pode alguém estar só e sentir-se amparado por alguém que está só, também, assim?

Quando a tristeza não se divide, não se partilha e não se pensa transforma-se em depressão. Porque traz consigo a revelação de que as pessoas preciosas (ou, simplesmente, importantes) para nós só nos aceitam sem qualquer nódoa de dor. Às vezes, fazem-no por embaraço; é verdade. Às vezes, por distração; já é mais grave. Mas o que dói mais na dor não é a dor, em si. É a forma como ela nos desengana a propósito das pessoas fundamentais da nossa vida. E quando ela traz, pela forma como não a acolhem, uma experiência agreste e ácida de desamparo. Sobretudo quando, no topo dessas pessoas, está o nosso amor. Omisso. Atabalhoado. Ou indiferente à nossa tristeza. Dececionante, portanto.

A grande dificuldade dum amor não será tanto se nos deixa ser comoventes. É suposto que um amor o seja sempre, não é? Mas se “aguenta” as nossas lágrimas e nos permite estar tristes. A forma como ele convive com a tristeza, a acolhe e a acarinha. E nos resgata dela. Como é que alguém tão importante e tão redentor para nós nos pode, ao mesmo tempo, afastar daquilo que sentimos importante?

A tristeza será uma adversidade. Eu acho que sim. Mas, na maioria das vezes (sempre que aquilo que as move não é o medo que ela nos traz), as pessoas ficam mais bonitas quando ficam tristes. Ficam mais transparentes. Encavalitam-se menos nas suas defesas. E parecem ter restaurado, quase sem querer, a sua capacidade de apreciar. E a estima. O sofrimento é a prova de que não somos omnipotentes. E é a marca de água que nos permite usar os nossos fracassos para sermos melhores.

Só as pessoas que choram são capazes de ser felizes! Menos quando, à custa de fugirmos, vivermos ausentes de nós. Talvez, mais, ausentes em nós. Sem que, por um momento que seja, pareça termos sequer saudades de quem somos.

 

Capítulo retirado do livro “Quem Nuca Morreu de Amor” de Eduardo Sá (Lua de Papel)