A Cobra e o Pirilampo
Deixa-me partilhar contigo uma história que aconteceu comigo relacionada com esta.
Aconteceu durante o confinamento do Covid. Nessa altura comprei um curso online que ensinava a interpretar sonhos e aproveitei para utilizá-lo num sonho estranho e repetitivo que andava a ter há algum tempo e que me incomodava bastante. O sonho era sobre gatos que, sem qualquer razão aparente, começavam a atacar-me.
Nesse curso aprendi que interpretar sonhos não tem nada a ver com aquilo que lemos na internet; antes pelo contrário. Se quisermos interpretar um sonho que tivemos temos de, primeiro, perceber qual é o significado (pessoal) que nós damos àquilo que aparece no nosso sonho, uma vez que esta é a forma simbólica como o nosso inconsciente fala connosco. No meu caso, eram os gatos.
Para além disso, para sermos eficazes na interpretação dos sonhos, é muito importante libertarmo-nos de qualquer julgamento de valor. Ou seja, não há bom nem mau, certo ou errado, melhor ou pior. Há o que significa para nós aquele “símbolo” em particular e ponto. É isso o que nos vai ajudar a decifrar o simbolismo do sonho.
Digo isto porque seria muito fácil para mim sentir-me mal por, nos meus sonhos, ver que os gatos não gostavam de mim. Ainda por cima quando se diz que as pessoas mais sensitivas costumam dar-se muito bem com gatos. No entanto, aqui estava eu a ser atacada por eles. O que será que isso queria dizer sobre mim?
O que acabei por descobrir é que, na verdade, o sonho não era sobre mim, mas sim sobre algumas pessoas que faziam parte da minha vida. Como é que eu descobri isso? Indo, precisamente, ao significado que EU dou aos gatos. Não tem a ver se os gatos são bons ou maus, se gosto deles ou não. Tem simplesmente a ver com a forma como eu os vejo. Ora, sendo eu mais uma “dog lover”, sempre tive mais dificuldade em confiar nos gatos, pois nunca sei quando é que algum deles pode, de repente, dar-me uma arranhadela. Significa isto que, para mim, o símbolo “gato” é sinónimo de “não ser de confiança”. E com isso percebi o que o meu sonho me estava a querer dizer.
Eu tinha uma amizade muito antiga em quem confiava, mas que, afinal, não era assim tão de confiança quanto eu pensava. Para te dizer a verdade, com o tempo comecei a perceber que essa pessoa se sentia melhor com a minha infelicidade do que o contrário. E houve um dia em que isso ficou bastante claro para mim. Só que eu não queria acreditar no que estava a sentir. Eu não queria aceitar essa verdade. Para mim, aquela pessoa era de confiança. E, por isso, acabei por descartar o que tinha visto nesse dia, dando-lhe um significado diferente daquele que eu tinha sentido.
Mas o meu inconsciente sabia o que se estava a passar. E estava a sentir-se cada vez mais desconfortável com isso. Por isso tentava falar comigo através desses meus sonhos, utilizando um símbolo que, ao interpretá-lo corretamente, me dizia: “é fofinho/a, mas não é de confiança”.
O significado estava assim decifrado. Agora só tinha que perceber quem era essa(s) pessoa(s). Foi quando juntei 1+1. Isto porque, com o tempo, fui-me sentido cada vez mais incomodada com o que estava a sentir em relação àquela amizade. Mesmo não querendo ver a verdade, houve outra situação que me mostrou que não dava mais para negar o que eu estava realmente a sentir em relação a essa pessoa e por isso decidi afastar-me.
O sonho dos gatos parou.
Acabou por voltar uns tempos mais tarde. Foi quando me apercebi que estava na altura de me afastar de uma familiar minha.
Parou novamente.
Porque partilho contigo esta história?
Porque com o tempo percebi que a razão pela qual aquela pessoa não era verdadeiramente minha amiga é a mesma que nos mostra este pequeno conto da “Cobra e o Pirilampo”. Há pessoas que, por não conseguirem ver o seu próprio brilho, sentem-se incomodadas com o brilho dos outros (brilho esse que, curiosamente, os próprios muitas vezes também não o veem, que foi sempre o meu caso).
Foi por isso que, depois de ter decifrado o que significavam os gatos para mim, tive tanta dificuldade em perceber a razão pela qual me atacavam sem motivo nenhum.
Com isto não estou a querer dizer que eu sou um “pirilampo que brilha” e os outros “umas cobras invejosas”. Mas, infelizmente, penso que todos nós já sentimos na pele, de alguma maneira, o que é ter uma pessoa à nossa volta que não zela verdadeiramente pelos nossos interesses.
E porque é que isso acontece?
Normalmente é porque essas pessoas não estão de bem com alguma parte de si mesmas e por isso acabam por se sentir incomodadas ao pé de quem acham que “brilha” nessa parte. E como elas não sabem lidar com isso, isto é, com esse “brilho” do outro, preferem apagar a “luz do pirilampo” do que aprenderem elas próprias a brilhar.
Uma das formas de fazerem isso é através da competição. Por exemplo, quando tu e a tua amiga vão a uma festa e ela diz-te que o vestido te fica bem quando na verdade não acha isso, só para que ela possa brilhar mais do que tu. Ou, tal como aconteceu comigo, quando a tua amiga te dá a entender que sente empatia pela tua dor pelo facto de quereres ter filhos e ainda não teres tido oportunidade, quando na verdade está “secretamente feliz” por ela ter tido um filho e tu não (porque pelo menos aqui ela pode brilhar).
É triste e feio tudo isto que estou a dizer, eu sei. Por isso é que eu também levo tanto tempo a ver e a aceitar estas pessoas na minha vida.
E, repara, com isto não estou a querer dizer que essas pessoas são más ou que te querem mal. Elas apenas estão a tentar sentir-se melhor com elas próprias quando estão ao teu lado (até porque, como se costuma dizer, “misery loves company”*). Claro que isto acontece, muitas vezes, de forma inconsciente. De qualquer forma, é importante aceitarmos estas situações como elas realmente são para podermos fazer os ajustes necessários na nossa vida.
É por isso que eu agradeço muito o meu sonho dos gatos sempre que aparece, por mais desconfortável que ele possa ser.
*Traduzindo à letra, “misery loves company” significa "a miséria adora companhia". Esta expressão idiomática significa que pessoas infelizes tendem a encontrar conforto ou validação na companhia de outras pessoas que também estão infelizes. Sugere que compartilhar os próprios problemas ou sofrimentos com outras pessoas pode torná-los mais fáceis de suportar.