Capítulo I - Delhi

Dia 08 de Agosto de 2012 || 19h00 – Delhi

Nem sei o que dizer ou escrever. Índia é… o fim do mundo! Que ingenuidade a minha pensar que poderia fazer esta viagem sozinha. Isto não é coragem. É loucura mesmo! E a loucura paga-se!

Mas vou começar pelo princípio. Pelo voo do Dubai para Delhi.

O avião era igual ao outro, mas desta vez não trazia portugueses. Nem na tripulação. Ao meu lado sentou-se um indiano que vinha com um amigo. Deu-me logo um passou-bem e apresentou-se. A partir daí não se calou mais enquanto eu não fechei os olhos e fingi que estava a dormir. Fez imensas perguntas e abusou um bocadinho da confiança, mas correu tudo bem. A comida (pequeno-almoço) já foi bastante condimentada. Era boa e eu comi-a toda, mas isso acabou por me levar 3 vezes à casa-de-banho.

Aterrámos. Estava difícil o controlo do passaporte por causa da porcaria de um papel que tínhamos que preencher. Quando cheguei à recolha da bagagem já não estava lá a minha mochila. Pânico!

“Madam”, grita um indiano [funcionário do aeroporto] a chamar por mim. Tinha a minha bagagem! Que susto.

Já na zona das “arrivals” sento-me e ponho-me a reler o meu guia da Lonely Planet. Estou com um bocado de receio de apanhar um táxi, pois é quase certo que me “roubem”. E tive razão (infelizmente). Deveria ter sido mais esperta e ter perguntado logo ao taxista quanto era. Um outro rapaz que apontava os nossos nomes e para onde íamos disse-me que era à volta de 500 rupias e que havia o taxímetro.

Guardei a mochila na bagageira, entrei no táxi e… taxímetro? Qual taxímetro? Aqui cada um faz e pede o que quer! 775 rupias foi quanto me pediu no final! Queria dar-lhe só 500, mas ele não deixou. E não me deixava ir a lado nenhum enquanto eu não lhe pagasse o que queria. Nem 700 aceitou. Perguntei-lhe se tinha o troco para os 75 e disse-lhe que não lhe dava mais 100 enquanto não me mostrasse o troco. Acabou por pedir a um homem qualquer que passava na rua os 25 e deu-mos. E pronto! Lá tive a minha primeira má experiência e o meu primeiro “roubo”.

Depois andei um pouco até ao hotel, onde já tinha reservado e pago os quase 40€ por um quarto sem janela e roupa de cama completamente suja.

22h15 – Delhi

Estive a dormir um pouco e a chorar um bocadinho mais. Isto tudo deu cabo de mim, completamente. Pode não ser perigoso vir sozinha para a Índia, mas difícil é. Muito difícil. E depois, claro, há o problema de não teres ninguém ao teu lado para ires buscar forças, mesmo que essa pessoa fosse menos desenrascada que tu. Não interessava. E já fazia toda a diferença…

Também não me armei em corajosa antes de vir para aqui. Os outros é que me viram assim. Eu apenas queria:

  • Vir à Índia para conhecer um pouco o país;

  • Saber porque é “a viagem” de muitas pessoas;

  • Fazer algo que nunca tinha feito e ver se conseguia.

E, está claro, não o consigo fazer sozinha…

Depois de chegar ao hotel fui até à recepção. Queria ir até à estação de comboios. Quando desci, estava a chover. E muito! Trovejava e tudo*. Fiquei na recepção a falar um bocado com um dos homens. Disse-lhe que ia à estação comprar bilhetes. Persuadiu-me a não ir, claro. Explicou-me que era muito confuso, que tinha muita gente. E disse que havia um sítio melhor para ter informações e comprar os bilhetes. Chamou-lhe de “information point”, mas na verdade levou-me foi a uma agência de viagens. Disse que ficava a 10 minutos de carro do hotel. Ligou a uma pessoa para me levar até lá.

Chegou o Nasir, uma espécie de guia e de “faz-tudo” para os hotéis, pareceu-me. Segui-o até a uma outra rua e a partir de lá ele procurou uma forma de nos levar. Aos dois.

Antes disso vim buscar o guarda-chuva ao meu quarto. De facto ajuda mais que uma capa, pois está muito calor e a capa seria um suplício. E tenho comigo a mochila pequena também.

O Nasir falou com vários auto-rickshaws para nos levar ao nosso destino, mas sem sucesso. Disse-me que tínhamos que ir para o outro lado da estrada para estarmos no sentido que queríamos. E foi assim que tive a minha primeira experiência numa das coisas mais impressionantes da Índia: atravessar uma estrada! É, de facto, algo… surreal! Tal como o próprio trânsito. Não dá para descrever.

As estradas (as principais, não os caminhos ou as ruas secundárias) até têm os traços no chão a indicar as faixas de rodagem, mas… Na Índia penso que só há uma regra que rege este país: não há regras! Os carros simplesmente andam como querem e onde querem. Põe-se à frente dos outros carros e os outros que se desviem. E buzinam. Buzinam muito. Buzinam mesmo muito!

As pessoas também fazem o mesmo. Não há passadeiras. Atravessas quando queres e onde queres. Dás raspões nos carros quando o trânsito está parado ou quase parado, e andas tranquilamente até ao outro lado da estrada. E é incrível como tudo funciona sem um arranhão!

Apanhámos um auto-rickshaw. O Nasir combinou com ele pagarmos 50 rupias. É uma viagem bastante interessante. Ninguém deveria sair da Índia sem andar numa coisa destas pelo menos uma vez.

E pronto! Lá chegámos nós à agência de viagens que eles queriam que eu fosse. Enfim! Eu deveria ser menos estúpida!

Quem pagou o rickshaw foi o Nasir. Eu só tinha uma nota de 100, e ele então chegou-se à frente. Deixou-me na agência e foi-se embora.

Na agência estive horas com o Raja. Primeiro estivemos a ver bilhetes de comboio. Não havia nada para o dia seguinte. Só lá para dia 12. Nem para Agra. E eu queria sair de Delhi o mais depressa possível. Vimos outros sítios, mas estava complicado fazer um roteiro de comboio que fizesse sentido. Então o Raja fez o seguinte: planeou-me um roteiro inteiro (passando por todos os lugares que eu queria ver e mais alguns) com um motorista privado. 890€ (o que dá 50€ por dia até à minha partida) e inclui os hotéis, os bilhetes de comboio para ir de Agra a Varanassi, e o motorista que me leva até onde eu quiser, quando eu quiser. O preço até está bom (comparando com os 1500€ que eu tinha visto numa agência de viagens em Portugal) e ele até tinha razão numa coisa: ok, até podia arranjar todos os bilhetes de comboio que queria, mas e depois? Como é que eu ia para os hotéis (que ainda nem sequer estão reservados) a partir das estações? Como é que eu me deslocava nas cidades que queria ver? E os comboios atrasam-se. E isso poderia trazer-me problemas. Lá está a porcaria da ingenuidade. Estou sozinha, sou mulher, e é a primeira vez que faço uma viagem destas à aventura. E logo na Índia! Como é que eu poderia achar que me safava bem apenas com o guia da Lonely Planet? Isto aqui é um mundo “selvagem”! Outras mulheres podem ter conseguido fazer uma proeza destas, mas eu claramente não sou uma delas. Não sem a ajuda necessária de quem conhece bem este país. No fundo, isto é a lei do salve-se quem puder. E eu tive que me salvar assim. E quase que chorava à frente do Ravi, pois o medo de estar a ser enganada era muito. Sozinha com um motorista o tempo todo…

Cheguei a falar com a minha mãe ao telefone. Ela disse para não fazer isto, exatamente pela mesma razão que me passava pela cabeça: o medo de que me acontecesse algo por estar sozinha num carro com um homem e num país que não conheço. Ela inclusive disse para apanhar um voo de volta para casa. Confesso que se pudesse acho que o teria feito, mas isso significava, sobretudo, que eu à mínima dificuldade tinha desistido de tudo. E não estou a falar só da viagem em si.

Bom, no final, achei que poderia confiar no Ravi. Que outra solução tinha eu?

Agora só me resta esperar que corra tudo bem… e que o meu anjo da guarda me proteja. (Entretanto, já me fartei de chorar aqui no quarto. Afinal o medo é muito. Mais do que aquilo que eu estava à espera…)

Perguntei ao Ravi onde é que eu podia comprar água e algo para comer. Falei num supermercado, mas pelos vistos é difícil arranjar um. Ele pediu ao rapaz novo que trabalha com ele para me levar a uma rua onde eu poderia escolher ir ao McDonald’s ou a um pequeno restaurante que ele indicou. Fomos a pé até a essa rua principal (acho que se chama “market street”). Decidi comer no restaurante. Havia vários tipos de cozinha e eu escolhi a “italiana” – massa com frango e molho de tomate. Cada garfada cada gole de água. Estava super picante!

45 minutos depois o rapaz voltou para me vir buscar como combinado. Andou a perguntar preços nos rickshaws. Entrámos num e passado pouco tempo saímos. O motorista estava a ir por um caminho que o rapaz não conhecia e por isso ele mandou-o parar para sairmos. Apanhámos outro. 50 rupias. O rapaz disse-me que normalmente são 30 rupias para fazer este caminho, mas quando veem que sou turista (mesmo indo com eles) pedem mais. No fim só tinha 40 rupias (e outras notas grandes) para dar. O rapaz deu os outros 10. Perguntei se eles não davam troco se déssemos dinheiro a mais e ele disse logo que não.

Já no hotel falei ao telefone com o Ravi outra vez. Ficou combinado eu sair daqui amanhã com o motorista às 9h00. Ele disse-me que vinha também (eu pedi-lhe).

E afinal como é Delhi? Delhi é o caos. É pobreza. É confusão. É chocante e de certa forma assustador. Vi as pessoas andarem à chuva sem qualquer tipo de proteção, como se não fosse nada com elas. Como se nem sequer se estivessem a encharcar todas. Vi miúdos completamente nus, à chuva, e a andarem descalços. Vi muitos miúdos descalços. Vi pessoas a correrem atrás do autocarro porque este não parou na paragem. Vi cães muito magros por aí. Vi uma “procissão” que passou nessa rua principal (dia 10 celebra-se qualquer coisa). Vi muita coisa que nunca tinha visto. E também fui vista. Muito. Até porque, estrangeiros, não vi nenhum. Nenhum! Eu era a única branca a andar por aquelas ruas todas. Mas onde é que estão os turistas?! Onde?!


Nota: A foto deste texto (onde se vê um homem com um turbante na cabeça) não foi tirada em Delhi, mas sim noutra cidade da Índia. No entanto, como eu não tirei fotos “de jeito” em Delhi (porque também não passeei por lá), decidi pôr esta que é uma das que gosto mais.

*Infelizmente eu fui à Índia na altura das monções. Não recomendo…

Anterior
Anterior

Capítulo II - Mandawa