A história de Matthew Perry
Ultimamente tenho lido muitas biografias de pessoas famosas. Sempre achei fascinante conhecer as histórias de vida de outras pessoas, sobretudo daquelas cujas vidas são tão diferentes da minha.
As aprendizagens que retiro delas são, simplesmente, preciosas para mim.
Foi precisamente o que aconteceu com o livro autobiográfico de Matthew Perry, um dos atores da famosa série americana Friends.
É um livro nu e cru. É um livro que nos fala sobre medos, traumas, adições e muita solidão.
Para quem gosta de psicologia como eu, é um livro de uma enorme riqueza, que nos mostra a verdadeira vida do ator contada pelo próprio. E é aqui que, para mim, entra uma das particularidades mais fascinantes do ser humano:
Por muito diferentes que sejam as nossas vidas, as nossas dores são sempre iguais.
Fama e riqueza são duas realidades desconhecidas de muita gente. Mas a sensação de não ser visto por um dos progenitores, de não se sentir amado, validado ou reconhecido é, por sua vez, comum a muitos de nós. A diferença está no que cada um depois faz para preencher esse vazio; vazio esse que pode ser sentido até na alma.
É por isso que o livro do Matthew é riquíssimo em várias e diferentes histórias que culminam numa só: a sua história de vida. Não aquela que conhecemos, mas aquela que faz dele um ser humano como nós.
É uma dessas que quero partilhar hoje contigo.
A história é simples, mas cheia de significado - pelo menos para mim. Porquê? Porque ela mostra-nos como por vezes achamos que somos os únicos a passar por certos problemas ou a sentirmo-nos como nos sentimos, o que não é de todo verdade. (Aliás, o livro todo mostra-nos isso mesmo, que a história do Matthew Perry tem mais pontos em comum com a nossa do que aquilo que nós pensamos.)
Porque a verdade é esta:
Não estamos sozinhos na nossa dor. Não somos os únicos a pensar como pensamos e a sentir como nos sentimos.
E isso é maravilhoso. Pois uma das coisas mais bonitas que nos pode acontecer é encontrar alguém que partilha a mesma dor que nós, mas que ao lidar com ela de forma diferente, transforma automaticamente a nossa. É como se, num abrir e fechar de olhos, o mundo ficasse mais leve para nós.
Foi isso o que aconteceu com o Matthew nesta história que te conto mais abaixo. Tal como é isso que espero que aconteça contigo sempre que partilho aqui as minhas histórias.
Acredita, não estás sozinha.
***
A história de Matthew Perry
Quando andava no jardim de infância, um miúdo estúpido bateu-me com uma porta e, depois de o sangue ter deixado de se projetar para o alto como pequenas explosões de fogo-de-artifício, alguém se lembrou de me pôr uma ligadura e de me levar para o hospital. Aí, ficou claro que eu tinha, de facto, perdido a ponta do meu dedo médio.
(…)
Quando eu tinha cerca de nove anos, fui levado a um cockpit e fiquei tão hipnotizado pelos botões, pelo comandante e por toda a informação que me esqueci de enfiar a mão no bolso pela primeira vez em seis anos. Nunca a mostrava. Tinha tanta vergonha. Mas o piloto reparou e pediu: «Deixa-me ver a tua mão.» Envergonhado, mostrei-lha. Então ele disse: «Olha para isto.» Na verdade, faltava-lhe exatamente a mesma parte do dedo médio da mão direita.
Ali estava aquele homem, a comandar o avião inteiro e a saber o que todos aqueles botões faziam e a compreender toda a informação cativante num cockpit e também lhe faltava parte do dedo. A partir desse dia (tenho agora cinquenta e dois anos) nunca mais escondi a mão.
Excerto retirado do livro “Friends, Amantes e Aquela Coisa Terrível” de Matthew Perry (editora Casa das Letras)